No embrião do rebaixamento, está a omissão da diretoria, que durante anos se absteve da responsabilidade ao delegar completamente o poder de decisão a Renato Portaluppi.
Nem todo tombo é igual, bem sabemos. Existem os tombos instantâneos, só percebidos quando já estamos estatelados, também aqueles outros precedidos por uma sequência interminável de tropicões, muito comum entre os bêbados, e por fim aquelas quedas indignas que resultam num carnaval de braços e pernas pelos ares e, com frequência, acabam com alguma parte íntima do corpo exposta na calçada. Esse último é mais condizente com o terceiro rebaixamento do Grêmio.
As circunstâncias do tombo são tão relevantes quanto a queda de fato. Esse rebaixamento do Grêmio, antes de mais nada, é surpreendente. Assim como o Bahia, outro rebaixado na noite de ontem, o clube gaúcho é um dos mais equilibrados em termos financeiros. A vultosa folha de pagamento estava rigorosamente em dia e ainda no começo da temporada andava decidindo a Copa do Brasil. Um pouco antes, múltiplas semifinais de Libertadores.
No embrião do rebaixamento, está a omissão da diretoria, que durante anos se absteve da responsabilidade ao delegar completamente o poder de decisão a Renato Portaluppi. Quando o técnico saiu, o Grêmio começou a esfarelar. Quem observava de forma isolada a escalação do Grêmio e algumas atuações pontuais percebia como era um descalabro que o time estivesse pregado no Z4 desde o começo do campeonato -- foram nada menos que 37 rodadas entre os quatro últimos.
Nesse ponto, surge um aspecto especialmente caro ao torcedor: uma espécie de dignidade da derrota. Um rebaixamento que ocorre em época de vacas gordas é uma afronta histórica aos times esfarrapados que, as trancos e barrancos, mantiveram aceso um toco de orgulho. No seu último rebaixamento, em 2004, nomes como Fábio Bilica, Capone, Cocito e Leanderson chegaram até onde a natureza lhes permitia, que não era muito longe do rodapé da tabela. Antes, em 1991, houve um primeiro tombo, estrondoso pelo pioneirismo entre os chamados "grandes" e tragicamente irônico por acontecer diante do Botafogo de Valdir Espinosa e Hugo de León.
O torcedor gremista não foi apenas rebaixado ontem: é provável que a dor maior tenha sido justamente a estocada recebida entre a costela e o coração quando Douglas Costa, após marcar um gol absolutamente inútil em termos práticos, dirigiu-se para a arquibancada e deu um insolente tchauzinho para a torcida. Preferiu apontar não o escudo, mas virar de costas e mostrar o número da camisa. Contratado por um salário milionário, na antevéspera do rebaixamento o jogador havia pedido dispensa para se casar no Rio de Janeiro. A simples disposição em celebrar justamente quando os gremistas passavam noites agoniadas, prestes a firmar matrimônio com o Fantasma de la B, mostra o grau de distanciamento e alienação.
Entre tantos ofendidos, Douglas Costa desonrou, por exemplo, a pequena epopeia de Marcelo Lipatin, o atacante uruguaio que na série B de 2005 cabeceou uma bola para as redes, mas não viu o próprio gol porque caiu nocauteado na grande área. E também Alejandro Escalona, o lateral-esquerdo que adiantava a bola para cruzar de carrinho, talvez a única forma que lhe fosse possível. Sobretudo, ofende o legado de Rodrigo Gallato, o homem de luvas que praticamente impediu o clube de decretar falência. Foram esses que mantiveram o Grêmio tropeçando durante uma quadra inteira, até que surgisse uma grade de portão para se agarrar. Todos eles com noção de suas limitações, mas principalmente com a consciência de que o Grêmio era muito maior que eles.
Fonte: GE
Compartilhe com os amigos!